quarta-feira, 11 de julho de 2012

Mentiras de Guerra - uma história recente de Curitiba

Adiei a escritura desse texto e meio que desisti, pois o tempo havia passado. Mas o tempo nunca passa completamente, algumas coisas vão ficando e a gente olha para elas de novo e se enxerga um pouco.

Cheguei a Curitiba em 1995. Já em 96, numa noite de domingo (a minha folga do trabalho de barman) fui ao Cine Guarany assistir ao filme Underground, Mentiras de Guerra. A indicação do filme por uma amiga de gosto insuspeito e uma paquera recente me motivaram àquela aventura.

Entre as novidades da cidade grande(!) encarei um biarticulado do Centro ao Portão e a zoeira que uma torcida, acho que do atlético, fazia no ônibus. O cinema num centro cultural público também foi uma surpresa.

O filme do iugulavo Emir Kusturica retrata o esfacelamento de um país que já não existe mais, no caso o dele. Para isso, o cineasta lança mão de um turbilhão de alegorias. A mentira como ferramenta de poder é levada ao extremo.

Isso me veio à mente agora que a prefeitura inaugurou novamente o Centro Cultural do Portão, espaço público que fica junto do terminal daquele Bairro e abriga o Cine Guarany, entre outros equipamentos culturais. O espaço ficou fechado por inacreditáveis oito anos, durante os quais, quase todos os outros cinemas municipais encerraram suas atividades.

No filme do Kusturica um porão abriga por 50 anos uma porção de gente que é levada a acreditar que a segunda guerra mundial não tinha acabado. No lado de cima, pessoas que estavam no porão eram homenageados como heróis de guerra. O casal que faz a ponte entre os dois mundos acabam sendo as figuras centrais da trama.

Eu vejo a grande política curitibana mais ou menos assim, uma porção de mentiras contadas de maneira mais ou menos ordenada com o objetivo de confinar um grande número de pessoas a um porão. Mas eu não falo de mentira como oposição a verdade (com ou sem crase). Eu também não acredito em verdade. A verdade só existe se você estiver disposto a ser iludido de alguma forma.

No porão de Curitiba também há um casal que faz a ponte entre as duas realidades e consegue iludir os confinados, exilados de guerra. Nesse porão um cobertor da FAS vale um voto trocado pela nossa heroína Fernanda do Clã do Zé do Chapel. É um grande porão que o Beto fez ampliar para cobrir o Estado inteiro. Nosso herói está nos protegendo dos horrores da guerra de mentira. Mas, segundo ele, está difícil fazer qualquer coisa pois o comandante anterior, o Rei-quião, levou nosso exército a muitas derrotas. Terra arrasada mesmo.

Aqui, o porão é uma cidade maravilhosa. O problema é que ela não existe, pois do lado de cima não há uma guerra. Nunca houve uma guerra pra cantar os heróis que se auto condecoram. A cidade do porão é modelo de transporte, é ecológica, é saudável; a de cima, a de verdade(?) é poluída, faltam médicos e os ônibus demoram e são megalotados.

A grande ironia no filme é que quando os abrigados no porão suspeitam que a guerra é uma mentira eles saem do porão e encontram outra guerra, a dos Balcãs, também de mentira; pois toda guerra é de mentira e de mentiras. Mas para eles a guerra ainda é a mesma, 40 e tantos anos depois.

Existe a possibilidade de que Curitiba desconfie das mentiras de guerra no meio da guerra de mentiras que está prestes a começar. O duro é que se resolvermos sair do porão, provavelmente vamos encontrar outra guerra (de mentiras) de verdade e vamos continuar sempre tentando sair do porão.

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