sábado, 5 de maio de 2012

40 anos no jardim

(ainda não está pronto)

No começo eram no colo da mãe, ou de uma tia, as minhas fotos que eu vi. As casas de madeira no Bom Retiro quase não tinham muro ou cerca, mas tinham enormes gramados, cercas vivas, plantas de várias formas, cores, cheiros e sabores. A gente circulava livre entre as várias casas, correndo, se escondendo... Esses foram os jardins da minha infância.

Tenho uma foto em preto e branco, na verdade três, na frente de umas palmeiras. Lembro (acho) que eram na entrada da casa da minha avó Agostina, que foi um pouco minha casa também. Tinha a Rua Brasil, o Vilmar, os pés de pitanga, ameixa, goiaba, amora, carambola... tão fartas então, hoje nem se acha no mercado.

Numa das fotos minha irmã pousava cheirando uma rosa, cinza, linda. Outras duas eu aparecia junto com meu irmão. Eu era o menor, sempre mais redondinho. Esses foram os jardins da minha infância.

Lembro das datas. A gente fazia cartões nas datas. Era uma tradição. Lápis de cor, giz de cera. Na época ficava bonito. Hoje não sei. Num dos seus ataques, minha mãe saiu rasgando tudo. Choradeira.

E assim, a inocência foi sumindo ali mesmo, no jardim. Imagine uma planta crescendo ao contrário. Devagar, sem que se possa perceber, quando se vê, já era. Mas havia outras plantas crescendo em muitos jardins.

De repente (nem foi) descobri a música. Uma forma divertida de aplacar um pouco o turbilhão das angustias que cresciam como pragas, e ainda se cultivam, sempre, por si. E como planta que tenta crescer mas não tem terra, não tem água, não tem sol; nunca aprendi a tocar nenhum instrumento, nem a cantar. Para me vingar, martelei tambores de lata, surrei chapas e molas de aço com correntes de ferro enferrujadas, tirando sangue das minhas mãos e dos ouvidos desavisados.

Outras paixões foram semeadas, brotaram e cresceram. Talvez a principal tenha sido a do desejo que o mundo todo fosse um belo jardim, um imenso bosque, frondoso pomar. Abrigo, sustento, deleite para todos quantos vivessem nesse enorme jardim.

E pelos caminhos que sempre se bifurcam no jardim, perseguindo sonhos, segui chutando pedras em meu coração.

Do jardim também se colhia cana, vinho, tabaco, coca e os venenos naturais e artificiais. Não dizem que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose? Digo que não. A diferença é se cura ou mata. Mas sempre cura e mata sempre, ao mesmo tempo.

Para não perder a inevitável deixa de Cartola, “volto ao jardim, com a certeza que devo chorar” pois esse tempo todo, nem que queira, não vai voltar para mim. Bem ou mal vividos, nesse quarenta anos, muitas vezes tentei, muitas vezes desisti, muitas vezes até tentei desistir, mas não deu. Nem sempre deu. Quase nunca deu.

Mas tudo depende de como e da onde se vê.

Agora, nessa tarde noite cedo, ainda estou de volta ainda no jardim. O jardim da minha vida de 40 anos no jardim.

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