terça-feira, 3 de abril de 2012

MILLÔR: Mas afinal, o que é a liberdade?

Por Millôr Fernandes. Via Portal Vermelho.


Apesar de tudo o que já se disse e de tudo o que dissemos sobre a liberdade, muitos dos senhores ainda estão naturalmente convencidos que a liberdade não existe, que é uma figura mitológica criada pela pura imaginação do homem. Mas eu lhes garanto que a liberdade existe. Não só existe, como é feita de concreto e cobre e tem cem metros de altura. A liberdade foi doada aos americanos pelos franceses em 1866 porque naquela época os franceses estavam cheios de liberdades e os americanos não tinham nenhuma. Recebendo a liberdade dos franceses, os americanos a colocaram na ilha de Liberty Island, na entrada do porto de Nova York. Esta é a verdade indiscutível. Até agora a liberdade não penetrou no território americano. Quando Bernard Shaw esteve nos Estados Unidos foi convidado a visitar a liberdade, mas recusou-se afirmando que seu gosto pela ironia não ia tão longe. Aquelas coisas pontudas colocadas na cabeça da liberdade ninguém sabe o que sejam. Parecem previsão de defesa antiaérea. Coroa de louros certamente não é. Antigamente era costume coroar-se heróis e deuses com coroas de louros. Mas quando a liberdade foi doada aos Estados Unidos, nós os brasileiros já tínhamos desmoralizado o louro, usando-o para dar gosto no feijão.

A confecção da monumental efígie custou à França trezentos mil dólares. Quando a liberdade chegou aos Estados Unidos, foi-lhe feito um pedestal que, sendo americano, custou muito mais do que o principal: quatrocentos e cinqüenta mil dólares. Assim, a liberdade põe em cheque a afirmativa de alguns amigos nossos, que dizem de boca cheia e frase importada, que o “Preço da Liberdade é a Eterna Vigilância”. Não é. Como acabamos de demonstrar, o preço da liberdade é de setecentos e cinqüenta mil dólares. Isso há quase um século atrás. Porque atualmente o Fundo Monetário Internacional calcula o preço da nossa liberdade em três portos e dezessete jazidas de minerais estratégicos.

Homenagem a Millôr Fernandes, que deixou de viver no dia 27 de março, aos 87 anos de idade. Trecho da peça Liberdade, Liberdade, de Flávio Rangel e Millôr Fernandes, encenada em 1965 (Porto Alegre, L&PM, 1997). Foi extraído de um artigo maior, com o mesmo título: Afinal, o que é a liberdade?, de Millôr Fernandes, publicado na revista Pif-Paf, de 22 de junho de 1964, edição que foi então apreendida pela ditadura militar.

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