quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Os cachorros de rua, sem medo dos carros, coragem e frustração

Desço o morro embalado. Tem um radar de 60 km/h lá em baixo, mas ainda é um embalo. Bem no pé do morro uma pequena matilha orgulhosa, corajosa, se metidando, vem cruzando a rápida.

Há cachorros que mesmo abandonados, morando na rua, com cara de coitados, mantém uma elegância quase digna, e atravessam ruas calmamente, com confiança, de cabeça erguida. 

Não tive mais cachorros depois de adolescente, acho difícil suportar a exigência natural de constante atenção, os pedidos suplicantes para que a gente fique mais e faça parte de sua vida que é de cachorro afinal. Como negar?

Mas esses de rua parecem que se bastam, pelo menos atravessando a rápida orgulhosos em sua gangue, com dignidade.

Aliás, eu fico pensando se a cara de súplica não é friamente calculada para constranger os suplicados. Como o pedinte que faz uma voz de choro, e metralha dez, vinte pessoas por minuto com as desgraças de sua vida, com os filhos passando fome, com a doença em ferida aberta, em troca de dez, vinte centavos que vem salteados dos que querem se livrar logo disso e ficar em paz com suas consciências.

Mas não é desses que eu falo. Os cachorros da rápida não eram assim, ou não estavam assim, atravessando aquela rua. Eles tinha cabeça erguida e trote de cavalo calmo e firme.

Eu tive que frear muito. Outro carro buzinou, não sei se pra mim ou pros cachorros, não importa.

Eles baixaram a cabeça e toda a dignidade se foi. Nenhum foi atropelado ali. De qualquer maneira, é questão de tempo.

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